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Sucessão Rural: projeto de vida no campo

Por Andrea Fioravanti Reisdörfer

Mônica Bufon

Permanecer no campo ou sair em busca de uma oportunidade diferente? A pergunta é objetiva, mas a resposta é, sem dúvida, complexa e exige dos milhares de jovens que vivem na área rural do país uma decisão difícil e que envolve não só a própria vida, mas traz repercussões para todo o grupo familiar.

Mônica Bufon, Secretaria de Jovens da Contag

Estamos falando sobre a sucessão rural. E, neste conceito, é preciso pontuar que existem interpretações diferentes quando se fala em sucessão rural e familiar. “Em nossos diálogos e estudos não se trata da mesma coisa. A sucessão familiar é a transferência de terra e a permanência naquela tradição. Já a sucessão rural, entendemos que vai além de permanecer, é poder ficar com condições e qualidade, ter acesso a políticas públicas, cuidar do meio ambiente e cultivar as tradições daquela comunidade”, explica Mônica Bufon, secretária de Jovens da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, a Contag, entidade criada em 1964 para representar os trabalhadores rurais, através das federações estaduais que reúnem os sindicatos dos trabalhadores rurais de cada município. Ao fazer esta diferenciação no conceito também fica mais claro porque, em muitos casos, é uma decisão tão difícil a ser tomada pelo jovem e família.

 

Para Mônica a sucessão rural não pode ser tratada somente como transferência de posse entre pais e filhos ou filhas e herança dos bens da família entre gerações. “É muito mais do que isso porque envolve todos os direitos necessários para que o jovem queira construir seu projeto de vida no campo. Por isso, para haver sucessão rural, é preciso garantir o acesso à terra e a todos os direitos básicos como saúde, habitação, saneamento e educação. E, uma vez na terra, precisamos ter condições de produzir, com acesso a crédito, assistência técnica, seguro e meios de comercialização. E nós sabemos que para uma vida de qualidade também é preciso garantir lazer, cultura, esporte, acesso à internet e diversas tecnologias. Principalmente para nossas crianças e adolescentes, que estão construindo suas visões de mundo e suas perspectivas”, avalia a secretária.

Diálogo e qualidade de vida

Também existem outros fatores que são fundamentais para que esta continuidade na administração das propriedades aconteça com êxito.

Quando há diálogo na família e a participação, de forma adequada, desde crianças nos assuntos que envolvem a vida produtiva da propriedade, é possível saber quem tem interesse e vocação para a produção e a lida”.  Mônica complementa ainda, que muitas vezes a transferência se dá somente para os mais velhos ou para os filhos homens, sem considerar os interesses das filhas moças. O diálogo na família é muito importante, porque muitos jovens têm novas ideias para a produção que não são nem consideradas pelos mais velhos e isso bloqueia, muitas vezes, o interesse dos jovens em permanecer. É preciso refletir sobre as ideias, o interesse e a vocação dessa juventude para a vida no campo”.

 

Embora não se tenha indicadores oficiais atuais e precisos – os dados mais recentes são do Censo Agropecuário de 2017 e não detalham percentuais sobre a sucessão rural – informações das PNADs – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio -  mostram que o número de jovens rurais vem caindo. Entre os anos de 2018 e 2020 700 mil jovens, entre 15 e 29 anos, deixaram o campo. Como comparativo, entre 2011 e 2018 saíram “apenas” 200 mil jovens (dados da PNAD/IBGE dos anos de 2011, 2018 e 2020). “Em nosso trabalho com a juventude rural sabemos que a maior parte dos jovens rurais desejariam ficar em suas comunidades, se tivessem perspectiva de qualidade de vida”, enfatiza Mônica.

Ela entende que é preciso retomar os investimentos públicos voltados à agricultura familiar e aprimorar as políticas para a juventude rural como formas de incentivar a permanência no campo.

Acesso a políticas públicas que garantam qualidade de vida: educação, saúde, cultura, esporte, lazer, geração de renda, produção e comercialização. Sem isso, os jovens não irão permanecer no campo.

“Valorizar a troca de conhecimento e diálogo entre pais e filhos é determinante para o êxito da sucessão”

Entre os milhares de jovens que têm sua origem no meio rural e que, inevitavelmente, em algum momento da vida terão que escolher entre ficar ou partir, está a história do catarinense Luiz Eduardo de Aquino Nau. Aos 22 anos, o técnico em eletrotécnica, retornou à Fazenda de Dentro, em Biguaçu, na grande Florianópolis, Santa Catarina, ainda no início da pandemia, em 2020.

Luiz Eduardo

Meus pais, sabendo o quanto é difícil e exaustivo a vida na roça, sempre zelaram pelo nosso estudo. Então, ajudávamos quando podíamos, mas o foco principal sempre foi estudar. No entanto, quando começou a pandemia tivemos alguns empecilhos que me fizeram retornar para a roça e ajudar meu pai. Na época, a grande parte da renda vinha dos programas PNAE e PAA. Como as escolas haviam fechado não recebíamos mais aquele recurso”, revela o jovem que precisou interromper o curso superior de Sistema de Energia.

A família tem como principal cultura a banana, mas também produz açaí, bergamota, acerola e jabuticaba. “Nossa produção é orgânica e certificada pela rede EcoVida”, informa Luiz que já “assumiu as rédeas” da propriedade. A descoberta repentina de um problema de saúde do pai, antecipou o comando do jovem da Fazenda de Dentro. “Porém, anterior a isso, sempre tivemos diálogo e prosas sobre o dia em que eu daria continuidade”, enfatiza. Ao voltar, já conhecendo as dificuldades enfrentadas pelo pai, trouxe na bagagem ideias novas para melhorar o manejo da produção das culturas.

Luiz Eduardo e pai

Luiz Eduardo (à direita) com o pai João Pedro Nau e com o irmão Pedro Luiz

Para ele, conhecer as experiências negativas que o pai enfrentou, estar aberto ao novo e valorizar a troca de conhecimento e diálogo entre pais e filhos é determinante para o êxito da sucessão. “Um dos aprendizados mais importantes para mim é que enxergo a propriedade como um meio de empreender. Nossas principais inovações foram ampliação da produção, mudança nos meios de transporte, produção e comercialização. Nosso diferencial é cultivar e fornecer alimentos orgânicos de qualidade, contribuindo com benefícios para uma vida mais saudável, sustentável e livre de agroquímicos”.

Ao ser questionado sobre o motivo de ficar e dar continuidade ao legado do pai, Luiz Eduardo é enfático: “Porque é um espaço meu, onde posso empreender, ser autônomo, um agricultor. Tenho muitas ambições e inovações para a propriedade como turismo rural, agroindústria para beneficiamento de produtos, entre outros. Também penso, se não fosse eu quem ocuparia o lugar de meu pai? Não quero deixar que todo o trabalho e esforço sejam perdidos”.

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