Custos com ração, adubos e combustível devem diminuir em relação ao início do ano e estimular uma desaceleração da inflação dos alimentos, afirmam especialistas. Porém, gastos com insumos continuam altos em relação a 2021.
A inflação dos alimentos deve desacelerar no segundo semestre, puxada, principalmente, por uma redução de custos agropecuários com ração, adubos e combustível, avaliam especialistas ouvidos pelo g1.
Contudo, o arrefecimento de preços deve ser lento e apenas em relação ao início do ano. Na comparação com o ano passado e com o período pré-pandemia, ainda está mais caro para produzir no campo, o que também tem reflexo sobre o consumidor.
Além disso, a queda do poder de compra da população continua limitando gastos e a tendência é que o brasileiro não sinta alívio no bolso.
Em resumo, especialistas afirmam que:
a desaceleração dos preços dos alimentos será puxada pela queda da cotação do petróleo, que influencia o valor dos combustíveis e fertilizantes (adubos);
por outro lado, os fertilizantes vão continuar mais caros em relação a 2021;
produtores de soja, milho e carne conseguem amenizar peso de custos pelo fato de lucrarem em dólar, com a exportação;
já quem cultiva arroz, feijão e verduras está importando gasto em dólar e faturando em real – panorama que pode desestimular esses cultivos;
valor do leite deve começar a ceder a partir de setembro;
carne vai continuar cara por causa da forte exportação.
Alívio no preço das matérias-primas
O recuo da inflação dos alimentos no segundo semestre deve ser puxado pela queda do preço do petróleo no mercado internacional, avalia a economista Gabriela Faria, do setor de análise de agropecuária na Tendências Consultoria.
"O preço do petróleo é um importante balizador dos custos agropecuários. Com menores preços de petróleo, por exemplo, os preços dos combustíveis baixam, o que, por sua vez, reduz o custo do produtor com transporte", diz Gabriela.
A cotação do petróleo também influencia os preços dos fertilizantes (adubos), que são usados para produzir grãos, que, por sua vez, viram ração para bois e aves em criações comerciais.
Desaceleração lenta
Apesar disso, a tendência é de um recuo lento na inflação dos alimentos, diz André Braz, economista da FGV.
Um dos motivos tem a ver com o ciclo de produção da pecuária leiteira. No início do ano, muitos produtores abateram vacas por causa dos altos custos de produção. Já com a chegada do inverno – que provoca seca –, a qualidade das pastagens piorou, reduzindo a disponibilidade de alimentos para os animais.
Tudo isso diminuiu a captação de leite no Brasil e gerou um aumento de preços do produto e de seus derivados, que devem começar a ter uma desaceleração a partir de setembro.
"É um cenário que leva um tempo para se normalizar. Pelo menos até o final de agosto e início de setembro, quando é esperado um retorno das chuvas, o volume de captação do leite deve se manter baixo", diz Braz.
Outro fator é a guerra na Ucrânia iniciada pela Rússia. No final do mês, os dois países assinaram um acordo para permitir que Kiev volte a exportar grãos. A medida pode arrefecer o valor do trigo no mercado internacional e seus derivados.
"Mas ainda estamos em um momento atípico, de grande incerteza. Não é porque as exportações [de trigo] retomaram que há um ponto final nessa questão. Isso porque a guerra ainda não acabou", diz Braz.
Custo com fertilizante ainda é alto
O começo da guerra, no final de fevereiro, também assustou os produtores brasileiros, que dependem dos fertilizantes russos. O que se viu, no entanto, foi uma continuidade do comércio entre Brasil e a Rússia, apesar de atrasos naquele período.
Em relação a março – quando as cotações do adubo atingiram o seu pico –, os preços dos fertilizantes recuaram. O preço da ureia, por exemplo, caiu 21% em julho, enquanto o do fosfato diamônico diminuiu 16,5%.
Por outro lado, na comparação com o mesmo período de 2021, o preço dos dois fertilizantes registra uma disparada de 148,2% e 68,2%, respectivamente, segundo dados consolidados pelo professor da FGV Agro, Felippe Serigati, com base em índices do Banco Mundial.
O custo alto dos insumos acaba sendo diluído, porém, em atividades que têm uma alta produtividade e que lucram em dólar a partir das vendas das exportações, como é o caso da soja e do milho.
"O volume de sementes e fertilizantes que está sendo comercializado [entre os produtores brasileiros], neste momento, está bem forte. O que me sugere que o pessoal está se preparando para uma bela safra 2022/23", acrescenta.
Ração deve ficar mais barata
Uma maior oferta de soja e milho tende a beneficiar produtores de carne, que usam os grãos como ração para os animais.
Além disso, a avicultura e bovinocultura nacional são fortes em exportação, o que favorece o faturamento das empresas do setor, já que o dólar continua valorizado sobre o real.
"Temos uma safrinha que está entrando no mercado agora e que tende a reduzir o preço do milho no mercado interno. Isso deve diminuir a pressão de custos para a avicultura de corte, por exemplo. É um cenário diferente do primeiro semestre, onde passamos por uma oferta [de grãos] mais apertada", diz Fernando Iglesias, analista da Safras & Mercado.
O setor de carnes também tende a se beneficiar do recuo, ao longo do segundo trimestre, dos preços do bezerro e do boi magro, o chamado "mercado de reposição", que é o principal custo do setor.
Essa melhora do lado da produção, contudo, não deve se traduzir em preços mais baixos ao consumidor, ressalta Iglesias.
"Temos uma demanda de exportação muito forte para carne bovina e de frango este ano: uma Copa do Mundo que vai coincidir com o maior período de procura, que é o último bimestre; além da demanda doméstica, que deve melhorar em função do aumento dos valores do Auxílio Brasil, e auxílio aos caminhoneiros", destaca.
As exportações de frango, inclusive, devem bater um novo recorde este ano, ultrapassando 4,7 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Gasto em dólar e ganho em real
Diferentemente dos produtores de soja, milho e carne, os que trabalham com grãos como arroz e feijão ou hortaliças não se beneficiam do lucro gerado pela exportação.
Esses produtos são vendidos apenas para o mercado interno, de forma geral, o que faz com que os produtores importem custos em dólar e faturem em real, o que tem gerado dificuldades para fechar as contas, observa o pesquisador Mauro Osaki, da equipe de Custos Agrícolas do Cepea.
“Arroz, por exemplo, é uma cadeia que me preocupa um pouco. O preço praticado no mercado doméstico pode não cobrir o custo de produção da próxima temporada (safra). Então, pode ser que o produtor venha a reduzir o uso de adubo e, com isso, gerar uma produção menor no próximo ano”, diz.
Caso essa diminuição da colheita se confirme, a tendência é que os preços subam. Osaki não vê, no entanto, um cenário de disparada da inflação do arroz, pois acredita que o recuo na produção deve ser pequeno.
Para ele, o maior receio é, na verdade, o longo prazo, ou seja, de que o aumento de custo desestimule o plantio do cereal e de outras culturas voltadas para o consumo interno, como as verduras e os legumes.
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